quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O Monopólio Da Guilhotina

O Monopólio Da Guilhotina

08 de janeiro de 2011

Jorge E. M. Geisel

“Cinco grupos etnográficos,ligados pela comunhão ativa da língua e passiva da religião, moldados pelas condições ambientes de cinco regiões diversas, tendo pelas riquezas naturais da terra um entusiasmo estrepitoso, sentindo pelo Português, aversão ou desprezo, não se prezando porém uns aos outros de modo particular – eis em suma ao que se reduziu a obra de três séculos”. (CAPISTRANO DE ABREU,em “Capítulos de História Colonial”)

O ponto central da identificação do grau de desenvolvimento de uma sociedade, passa pela definição do que seja público ou privado. Atingirá, obrigatoriamente, o dimensionamento do processo de interação entre o Indivíduo e sua Comunidade, e a constatação da maior ou menor interferência política e administrativa do Estado na vida prática do dia-a-dia que vivemos.

Dizia Alberto Sales, vulto da nossa história republicana, ligado à corrente liberal paulista, que o brasileiro é sociável mas pouco solidário. Provavelmente, desejava expressar a idéia de que conseguíamos conviver em grupos limitados, mas no fundo incompetentes para nos organizarmos em sociedade mais ampla.

Partindo da conclusão de um liberal, filiado ao modelo federalista norte-americano e testemunho de nosso berço constitucional republicano, sentimos que, efetivamente, nossas instituições continuam a dar pouquíssima valorização ao Indivíduo, aos homens e mulheres comuns, sempre inferiorizados diante dos ditames das políticas traçadas por distantes e onipotentes poderes do Estado. Ora, dentro deste cenário de sujeições, sempre sobrará pouco espaço para a solidariedade entre as pessoas, sempre fugitivas na informalidade e na escassez de recursos para incertas sobrevivências.

O Estado brasileiro superpõe-se à Sociedade, impermeabilizando-a, de forma pétrea, ao ingresso na vida pública de seus melhores valores cívicos e morais, evitando que ele próprio se renove em qualidade e distinção.

A dependência passiva de uma cidadania desprovida de personalidade forte, em conseqüência dos contínuos adiamentos de deveres e de direitos de aplicação automática, que mereceriam ser viabilizados para a obtenção de resultados práticos e inquestionáveis, foi criando obstáculos ao espírito de iniciativa e à solidariedade nascida da autodeterminação moral, exacerbando em contrapartida o predomínio do que chamava Edmond Demoulins de política alimentária, conforme citação do notável Embaixador Meira Penna – isto é, uma fatal e determinante dependência psicossocial em face de um Estado provedor.

Muito embora, nossa primeira e mais notável Constituição, a de 1891, fosse inspirada no federalismo norte-americano, o espírito autofágico, revanchista e de massa da Revolução Francesa acabou prevalecendo em nossos dias, graças às gradativas transformações constitucionais, em busca de salvação do Estado centralizado e das utopias, em detrimento das autonomias,das liberdades políticas e obrigações delas decorrentes.

O cenário político degradante que vemos hoje, deve-se ao monopólio da guilhotina nas mãos dos que, representando não mais um povo, com direito de votar, mas uma simples massa manobrável, levada às urnas por obrigação legal ilegítima e pela propaganda enganosa, não conseguem encontrar maiores razões para a independência dos poderes, decôro, para o senso de honra, para o patriotismo e para ofertar exemplos de virtude republicana.

(Publicado originalmente em 24/08/2006)

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