quarta-feira, 1 de junho de 2011

A GREVE DOS PROFESSORES EM SANTA CATARINA

01 de junho de 2011
Celso Deucher*

“Pagamos mais para mudar o passado do que para preparar o futuro”. (Escritor Nilzo Andrade)

Não estava com vontade de escrever uma linha sequer sobre este assunto, mas a consciência não me permitiu ficar calado. Desde o dia que decidi ser também professor, assumi compromissos com a sociedade que me obrigam a dizer o que penso, mesmo quando parece que a unanimidade afirma o contrário. Entre meu drama como profissional mal remunerado pela atividade que abracei e o de cidadão que não consegue ver uma coisa apenas por um ângulo, decidi que prefiro não me calar diante de certas visões politiqueiras da realidade que cerca a situação da educação neste país, grande em território, mas pequeno na valorização dos seus cidadãos.

Entre outras decisões também decidi que não devo apoiar o peleguismo consciente do Sinte/SC (Sindicato dos trabalhadores em educação de Santa Catarina), exatamente por que ele é um dos principais órgãos que ajudam a mascarar, junto com o governo estadual, uma realidade macabra, no que diz respeito às políticas educacionais no continente brasílico. Esta decisão só veio depois que olhei além da reivindicação momentânea por um piso salarial nacional de R$ 1.187,90 para professores com 40 horas semanais em início de carreira.

Este piso é uma vergonha em qualquer lugar do mundo onde as sociedades pretendem alguma coisa boa para o futuro. Para nós, um devaneio idealista que gera até greve. É como se fossemos os mendigos que se arrastam e se acotovelam embaixo de uma mesa farta. Quando cai uma migalha nos engalfinhamos esfomeados na esperança de que possamos dividir em milhares de pedacinhos e ao menos amenizar a fome que nos consome. Encima da mesa a festança continua e os protagonistas fazem questão de não olhar o que acontece lá embaixo. Afinal tanta coisa melhor que há para se olhar e degustar encima da mesa...

Onde estaria então este tal problema que me refiro e que este bando de covardes (leia-se Sinte/SC e o governo de Santa Catarina) não tem coragem de mexer? O problema está exatamente na arrecadação e na distribuição dos impostos. É neste incompreensível processo de exploração dos povos brasílicos que reside o impasse gerado tanto para o governo, quanto para os professores. Mas, nem um, nem outro, querem mexer neste vespeiro, por que senão tanto um quanto o outro corre o risco de ficar chupando no dedo quando a rainha de plantão no poder central resolver engrossar o caldo. A arrogância imperial do governo central brasileiro tem feito isso desde 1.500 e tem funcionado perfeitamente até nossos dias. Ninguém tem coragem de falar na inversão da arrecadação dos impostos. Ninguém tem coragem para denunciar que de cada R$ 100,00 que Brasília arranca de nossos bolsos aqui no estado, só retornam cerca de 15% para o estado e pouco mais de 8% para o município. Para onde vai o restante desta “grana” é desnecessário dizer, mas se alguém duvidar assista o noticiário diário e veja com seus próprios olhos o que aconteça na capital imperial, Brasília.

Assistindo a um debate entre um deputado governista e uma deputada defensora dos professores (e da base de apoio do governo federal) tive o desprazer de ouvir do deputado, que Santa Catarina teria recolhido para o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), algo em torno de 2,1 bilhões no ano de 2010 e que este dinheiro havia sido totalmente enviado ao governo federal e que de lá, teriam retornado para o estado apenas cerca de 1,7 bilhão. Na mesma linha, assinalou o jornalista Moacir Pereira no Diário Catarinense do último dia 25 de maio, apresentando números iguais. Ou seja, Santa Catarina foi roubada, só em 2010 em 400 milhões e apenas neste fundo, o Fundeb.

Imagine-se o quanto Brasília não rouba em relação aos demais fundos e ao restante da arrecadação. “Os dados sobre o Fundeb revelam, mais uma vez, o prejuízo brutal de Santa Catarina continua tendo com a centralização e o escasso retorno federal em relação à arrecadação tributária”, afirma Moacir Pereira, um dos poucos jornalistas do Estado que mantém a sensatez na análise da farsa federalista brasileira. Mas, uma pena, essa conversa nem o governo e nem os nossos amados mestres, meus colegas de sala de aula, conseguem entender. Foram cegados pelo Sinte/SC que prefere manter o foco na politicagem encima do estado, seu desafeto político.

Dito isto, a pergunta que precisamos fazer é a seguinte: Por que os pelegos do Sinte/SC e o governo catarinense não se unem para ao menos questionar este sistema opressor que põe na sarjeta não apenas os professores, mas o povo catarinense como um todo, em especial os mais pobres que pagam cerca de 42% de tudo que produzem de impostos? Por que, tanto governantes quanto entidades que deveriam nos defender, são tão covardes quando se trata de atacar o âmago vermelho da questão?

Quanto ao Sinte/SC já temos a resposta na ponta da língua. Esta entidade está atrelada ao atual governo federal e de modo algum irá mexer na arrecadação tributária, preferindo fazer politicagem aqui pelo estado, contra um governo incompetente que até este momento posiciona-se na oposição ao federal. Por este motivo, não fará absolutamente nada que vá contra as ambições por poder e a roubalheira dos seus “companheiros” lá de cima. Afinal estes R$ 400 milhões podem render na próxima eleição ao menos mais meia dúzia de novos deputados, senadores e outros comparsas que vão engrossar esta verdadeira quadrilha organizada.

Mas e o governo catarinense por que não faz nada se realmente quer o bem da população? Os motivos, salvo melhor juízo, também não são difíceis de se enumerar. Em primeiro lugar, esse jogo de situação e oposição é coisa prá inglês ver. Tanto o governador, quanto seu grupo (estadual e nacional) estão fundando novo partido (o PSD) objetivando ficarem mais “maleáveis” para conjunturas futuras (leia-se, maracutaias e atividades sorrateiras de apoio ao próprio comando do poder central que hoje se dizem oposição). Além do mais é tradição nos governos estaduais uma verborragia oposicionista, mas ao final, sempre caem de joelhos diante da corte numa submissão vergonhosa a Brasília. Nem o ex governador Luiz Henrique da Silveira (hoje senador) que tanto falou em federalismo e descentralização de poder, durante seu mandato, agora lá encima não dá um pio sequer para nos defender ou ao menos discutir a questão da arrecadação tributária.

Em outras palavras, para nós professores e a população em geral, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Não se apresenta outra alternativa que não seja ficar, lutar e seja o que Deus quiser. E lutar, neste contexto significa antes de mais nada, mostrar nosso repúdio contra Brasília e suas práticas neocolonialistas. Afinal de que adianta colocar um piso salarial neste valor se é ela que arrecada e não manda o suficiente para que seja pago? Seria para enfraquecer ainda mais o estado e deixá-lo ainda mais vulnerável as suas ordens?

Nós temos que repudiar com veemência a covardia dos poderes estaduais, que se tornaram comparsas do poder central na exploração dos povos brasílicos. Repudiar com todas as forças entidades como o Sinte/SC e outras que se dizem defensoras dos fracos e oprimidos, mas que na verdade cospem na nossa cara toda manhã que entramos em sala de aula. Além dos trocados que os governos nos repassam, não ganhamos mais que o abraço carinhoso dos alunos.

Caso um dia tenhamos realmente um sindicato combativo e lúcido ele irá lutar por um piso salarial de R$ 5.000,00 para educadores com 40 horas semanais. Se faltar bibliografia para a companheirada ler, por favor peguem o estudo que a Unesco divulgou no ano passado fazendo um comparativo em 38 países e onde aparece quanto cada um paga aos seus professores. Adivinhe onde ficamos? Em terceiro lugar, perdendo apenas para a Indonésia (que pega U$ 1.624 por ano) e o Peru (que paga U$ 4.752 por ano) no posto de pior salário. Em média os países mais bem colocados pagam aos seus mestres U$ 33.209 por ano.

Para finalizar vale citar aqui o escritor Nilzo Andrade (in O Líder dos sonhos) que também fez um comparativo no mínimo interessante. Segundo ele, um Juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil, que tem título de Ministro, recebe U$ 148 mil por ano. “Quem faz conta de cabeça percebeu que uma pessoa formada para julgar crimes, uma função reativa, ganha quase 30 vezes mais do que uma pessoa formada para educar, uma função preventiva. Temos um sistema que investe menos no profissional que poderia diminuir o trabalho do profissional que existe para resolver coisas acontecidas. Pagamos mais para mudar o passado do que para preparar o futuro”.

*O autor é professor de filosofia, geografia e história na Rede Publica Estadual em Brusque, SC.

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