segunda-feira, 9 de maio de 2011

Sergio Bonelli entrevistado por Sette, o magazine do periódico italiano Corriere della Sera


Sergio Bonelli, 78 anos, editor e argumentista, é meio-irmão de Tex (criado pelo seu pai Gian Luigi), criador de Zagor e Mister No e editor de Dylan Dog, Martin Mystère e Nathan Never. Na prática é a encarnação da banda desenhada na Itália. Encontro-o em Milão. Primeiro na redacção da sua editora que porta o seu nome, onde as paredes são revestidas de páginas e desenhos maravilhosos (de Galep a Hugo Pratt, passando por Magnus), e depois no seu apartamento: a biblioteca está cheia de volumes histórico-geográficos, existem revistas de banda desenhada a despontar de cada canto («Aqueles de Cino e Franco tenho mais cópias, mas admito não ter todos os originais de Tex»). Os quartos estão invadidos por estátuas em forma de crocodilo. «Desde quando se soube que eu aprecio estes animais, não me presenteiam outras. É uma condenação».

Uma outra sanção é infligida a Sergio Bonelli cada vez que entra num restaurante próximo de sua casa. Os empregados, mal o vêm, disparam a chalaça: «Para o senhor imagino que deseje um bife com três dedos de altura e uma montanha de batatas fritas». É o menu clássico de Tex. Ementa essa que também se encontra no volume Tex Willer. Il romanzo della mia vita: uma espécie de biografia do herói escrita por um dos argumentistas do Ranger (Mauro Boselli) e recentemente publicado pela Mondadori.

Sergio Bonelli tem a fama de ser antipático («Talvez qualquer um inveje o facto de eu me ter tornado rico à custa da banda desenhada»), mas na realidade é simplesmente ultra-genuíno. Responde desde há anos a todos os leitores, ma resmunga quando confrontado com certas questões. Por exemplo àquela do taxista que me levou à sede da editora: «Porque Zagor não tem filhos?». A réplica é acompanhada da simulação de um estridor de dor: «Porque sim. Outra pergunta clássica é: porque parece que as balas de Tex nunca acabam?». Sim, porquê? «Digamos de uma vez por todas: as personagens bonellianas pertencem a uma associação com regras. Regra número um: Tex recarrega as pistolas entre uma vinheta e outra». Entre as regras também deveria constar aquela de não perguntar mais se Tex é da direita ou da esquerda. Assim sendo, vou seguir as normas à letra.
Partindo de um pequeno teste:

Senhor Sergio Bonelli, como se pronuncia Groucho, o nome do assistente de Dylan Dog? Grucio o graucio?
«Grucio».

E o apelido Willer, viller o uiller?
«Uiller. Os contemporâneos do meu pai diziam viller».

É verdade que Tex Willer se deveria chamar Tex Killer?
«À minha mãe, a editora na época, pareceu excessivo».

Tex o vingador justo.
«Os leitores já viram de tudo».

Um pouco fascista e um pouco liberal.
«Consideravam-no de direita porque ameaçava os bandidos sem esperar o processo. Ou de esquerda porque odiava os bancos».

A verdade está no meio?
«A verdade, por exemplo, é que também o meu pai odiava os bancos, mas porque tinha estado um belo período à espera de um simples empréstimo bancário e não havia meio de lhe concederem o empréstimo».

Tex é o primeiro cowboy amigo dos índios. Torna-se inclusive chefe dos Navajos com o nome Águia da Noite.
«Não creio que o meu pai o tenha pensado por motivos ideológicos. Era um estratagema narrativo: o amigo branco dos índios. Um pouco salgariano».

Tex num episódio recente teve que se haver com o problema da água, e descobriu-se que para ele deve ser pública. Nathan Never é um paladino verde. Dylan Dog numa história totalmente realizada por senhoras diz: «A precariedade é o verdadeiro pesadelo». A sua sensibilidade de editor deve inclinar-se por força com estas tomadas de posição.
«Sim, um pouco. Mas são elementos inseridos habilmente. Eu informo-me».

Em que senso?
«Até há pouco tempo atrás eu frequentava os locais dos jovens para estudá-los, ouvi a sua música, vi os seus filmes. Eu queria sentir as suas tensões. E empregá-las nas minhas revistas».

Para prender as atenções dos jovens não seria mais fácil comercializar um jogo de vídeo de Nathan Never ou um álbum de cromos (ou também um jogo) de Martin Mystère?
«Eu sempre me recusei a isso. Eu faço banda desenhada. De papel. E depois o nosso público não é assim tão jovem».

Qual é a idade média dos vossos leitores?
«Não creio que existam com menos de 17 anos».

Mas poderia fazer um desenho animado.
«De Tex? Mai. Talvez Zagor fosse mais adequado».

Porquê?
«Porque tem um lado cómico».

Zagor è uma sua criatura. É uma personagem que parece ter uma psicologia mais complexa respeitante a Tex. Isso levanta dúvidas…
«Eu e o meu pai éramos muito diferentes. São-no também as nossas personagens».

Seu pai sempre se opôs a inserir cenas cómicas nas aventuras de Tex.
«Sim. Mas eu que me ocupava da editora sabia que Capitan Miki e Bleck Macigno, adversários de Tex nos quiosques, vendiam o triplo também porque tinham formidáveis tiradas cómicas».

Foi por esse motivo que quando em 1961 o senhor cria Zagor junta-lhe o pançudo Chico?
«Sim. Mas Zagor nasce também de outra exigência: compreender se o trabalho dos argumentistas valia todo o dinheiro que eu lhes dava».

O senhor como argumentista sempre assinou como Guido Nolitta.
«Para não criar confusão com o meu pai, que à banda desenhada dedicou toda a sua vida».

Quantas revistas vende hoje a Sergio Bonelli Editore?
«No mês de Julho, que é o mais florido, cerca de 900 mil. Há alguns anos atrás chegávamos a atingir a quota 3 milhões. Falamos de uma vintena de personagens…».

A banda desenhada está em crise?
«Está nas trincheiras. Primeiro a televisão. Depois os jogos electrónicos, os telemóveis… Entretenimento fácil para os rapazes de hoje. Imbatível. A banda desenhada por sua vez necessita de silêncio e concentração. Quem faz quadradinhos está destinado a uma batalha de retaguarda. Mas isso é um problema de quem virá depois de mim».

Quem virá depois do senhor?
«O meu filho Davide, que tem quarenta anos».

O seu maior erro como editor?
«Meter em circulação demasiadas séries. Cinco teria sido o suficiente».

Quais?
«Tex, Zagor, Ken Parker, Martin Mystère e Dylan Dog. Tex e Dylan permitem a todos os outros de continuarem».

Não colocou na lista o seu segundo “filho”: Mister No.
«A ideia de Mister No ocorreu-me durante as minhas viagens à Amazónia e após ter conhecido um piloto americano no México. Encerrei-o há alguns anos atrás. Vendia nessa altura vinte e três mil exemplares por mês».

Uma série de banda desenhada que vende uma cifra dessas é cancelada?
«Se és um editor que paga bem aos seus desenhadores sim. Eu pago-os bem e respeito-os. Inclusive porque convivo com eles desde que nasci».

Quando começou a trabalhar no mundo da banda desenhada?
«Súbito. O meu pai no pós-guerra tinha trocado a minha mãe por uma outra companheira. E a minha mãe, dona de casa, tinha fundado uma pequena editora da qual o meu pai tinha se tornado um dos principais autores. Na prática fomos a primeira família alargada de Itália».

Unidos pela banda desenhada. E por Tex, que nasceu em 1948.
«No início eu fazia de tudo. Inclusive o mensageiro: partia de Milão numa lambreta para ir buscar à Ligúria as páginas originais de Galleppini para Tex».

Nos anos Cinquenta torna-se editor. Existe alguma personagem de banda desenhada criada por outros que gostaria que fosse sua?
«Com Hugo Pratt, que era um amigo, falamos amiudadamente de Corto Maltese. Mas é um bem não ter existido um acordo. Teríamos brigado».

Um desenhador que gostasse de acolher na sua equipa?
«Entretanto está para estriar entre nós Carlos Gomez, o autor de Dago. Desenhará um volume de Tex Gigante. Para além dele, cortejo há anos, tendo-se agora tornado um jogo amigável, tanto Paolo Eleuteri Serpieri, desenhador de Druna, quanto Moebius».

Moebius é uma lenda da banda desenhada de autor.
«Seria um porta-estandarte. Mas esta distinção entre banda desenhada popular e banda desenhada de autor todavia sempre me fez rir. O que quer dizer “de autor”? Mais fastidioso?».

Perguntas finais: jantava com o inimigo?
«Por trabalho janto com qualquer um, inclusive com os intelectuais que anos atrás me repreendiam por infestar os quiosques com a minha banda desenhada».

Não o censuram mais?
«Não. Agora é chique ler banda desenhada. E muitos até fingem serem fãs».

O nome de um político verdadeiramente apaixonado?
«Sergio Cofferati. Uma vez veio à editora por causa de um programa televisivo. Fiz-lhe um exame. É realmente um perito».

A escolha que lhe mudou a vida?
«A mudança do formato de Tex nos anos Setenta: do exemplar em tiras para caderno. Houve um ponto de viragem nas vendas que trouxe um pouco de riqueza. Formato este que se tornou um modelo usado por todos. Chamam-no “bonelliano”».

O que o senhor vê na TV?
«As partidas de futebol e os documentários no History Channel».

O livro?
«Lo straniero de Camus. Conheço-o quase de memória».

A canção?
«I am easy de Keith Carradine».

O filme preferido?
«Entre as comédias Salvate la tigre, entre os western Nessuna pietà per Ulzana, e em absoluto Orizzonti di gloria de Stanley Kubrick que revejo todos os meses».

Já viu o filme de Dylan Dog?
«Ainda não».

Colaborou na realização da película?
«Não. Cedemos os direitos há uns quinze anos atrás. A operação agora tem pouco senso. Até porque na Itália Dylan Dog caiu de 500 mil cópias para 160 mil».

Conhece os confins da Líbia?
«Infelizmente só os confins. Passei meses nos desertos saarianos que circundam aquele país. Mas na época não se podia entrar. Gostaria de poder ver as pinturas rupestres de Akakus».

Sabe quanto custa um litro de leite?
«Não tenho a mais pálida ideia».

Sabe o que é o Twitter?
«É algo relacionado com a Internet? Eu não possuo sequer um endereço electrónico. Certas coisas considero-as perigosas».

Qual é o artigo doze da Constituição?
«Boh».

É aquele que descreve o Tricolor. A Itália tem cento e cinquenta anos: para o senhor o Tricolor é…
«Eu gosto da ideia que representa. Dá um tom de unidade a um povo heterogéneo. Testemunha que tentamos».

Porque os heróis de banda desenhada da sua editora nunca são italianos?
«Haveria contínuos protestos da parte dos leitores sobre a verosimilhança das aventuras. E depois no México ou na Amazónia pode-se fazer a imaginação voar».

Na Itália, a realidade supera a fantasia. O bunga bunga…
«É verdade. Mas uma banda desenhada com esse material seria muito aborrecida».

Entrevista publicada no magazine italiano Sette e apresentado no site www.vittoriozincone.it;

Fotos de Marco Andrea Corbetta e Moreno Burattini

Copyright: © 2011, Sette; Corriere della Sera e Vittorio Zincone

(Para aproveitar a extensão completa das fotos acima, clique nas mesmas)

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