sexta-feira, 11 de março de 2011

A Chama Independentista No Sul


A Chama Independentista No Sul

A partir da fundação de diversos movimentos independentistas no Sul, desde o início dos anos 90, começaram a se encontrar os simpatizantes dessa idéia espalhados por todos os rincões. A idéia central, que na verdade é bastante antiga, tomou corpo e alma coletiva, deixando de ser discutida e restrita a pequenos círculos para atingir em cheio a grande massa. Ninguém supunha então que ela fosse tão forte. Nem mesmo os próprios independentistas tinham consciência que havia tantos outros independentistas.

Essa realidade é motivo de alento. Mostra que a sociedade não está tão alienada, como afirmam os mais céticos, ao discorrerem sobre o fracasso da sociedade como organização.

A discussão autodeterminista, ou independentista, na verdade está fazendo despertar um Novo Homem, outrora oculto nas profundezas de cada um, muitas vezes sem mesmo sabê-lo. Muito antes da questão independentista propriamente dita, portanto, está a transformação do homem, e, por isso, da própria sociedade. Esse salutar despertar que surge forte como um relâmpago no horizonte da história, contrasta com as características mais marcantes do velho Homem, produto da velha sociedade, sem futuro, anacrônica. Significa dizer, em última instância, que esse novo homem está conseguindo se libertar da condição humilhante de simples espectador da história que lhe mata a vida “viva” e joga sua esperança por melhores dias na lata do lixo da desesperança e da ilusão. Que lhe coloca mordaça na mente, olhos, ouvidos, nariz e boca; que o faz mero objeto da história e lhe rouba a condição que deveria ter: a de sujeito.

Significa, sobretudo, uma prova inegável que o homem pode deixar de ser submisso, servil e passivo ante os acontecimentos que se avizinham e lhe dão as diretrizes de vida; que o tornam impotente para alterar o rumo da história que o amassa e frustra como ser humano individual e coletivo. Sem dúvida, é preciso romper com a velha sociedade, sem futuro, que fez emergir do seu ventre contaminado uma classe política constituída, em grande parte, pela pior escória da sociedade. Na nova sociedade esta gente desprezível será banida para sempre. Justifica-se, portanto, o combate e a repulsa que esse tipo de gente faz à autoderterminação: é questão de autodefesa.

A causa independentista significa também a busca da própria identidade, tanto como ser individual, quanto ser social e coletivo. É a busca, portanto, do “eu” nacional. Nesse sentido, muito antes de simples remarcação de fronteiras geográficas, está a busca das fronteiras do próprio eu. E dentro da concepção que a nacionalidade é fenômeno subjetivo, psicossociológico, esse mesmo povo tem uma nacionalidade específica, diferente dos outros povos dos “brasis”, apesar de constar uma errônea nacionalidade nas carteiras de identidade forjadas no ordenamento jurídico.

Com efeito, uma sociedade velha que não propicia qualquer perspectiva de plena realização do ser humano não pode ser mantida. Significa dizer que podem e devem ser desfeitas quaisquer sociedades fracassadas. Não importa o tipo de sociedade, seja ela comercial, civil, conjugal ou mesmo nacional, ainda mais, neste último caso, quando fictícia e forjada na contramão da história de cada povo. E a sociedade pseudonacional a que o Sul está amarrado por arranjos antigos entre as coroas de além-mar, nunca teve, não tem e jamais terá as mínimas condições de realizar o elemento humano como ser individual e ao mesmo tempo social, ou seja, como indivíduo integral. Somente o egoísta e o amoral poderão sentir-se realizados nesta sociedade cruel, mesmo que pessoalmente tenham boa situação de vida material. É difícil compreender como uma pessoa pode sentir-se realizada quando o mundo que a cerca é de trevas.

Dentro dessa linha de raciocínio, portanto, a luta autodeterminista é acima de tudo uma luta pela realização integral do homem sulista em busca da sua própria identidade nacional. É nesse novo palco que as potencialidades humanas individuais e coletivas poderão prosperar e realizarem-se.

Assim, de forma alguma a República Federativa do Brasil pode ser entendida como uma verdadeira e única nação. Ela é um Estado Plurinacional, não Nacional, e que retira a liberdade dos seus povos nacionais, abandonando-os à indiferença. Afinal, quem foi que ditou essa pretensa “Nacionalidade Brasileira”? Porventura foi o próprio povo? Porventura ela não foi imposta aos povos por acordos palacianos lá de fora? Não seria direito dos povos reverem esta vergonhosa e insustentável situação? Não teriam eles direito a participar da definição da própria nacionalidade? Não seria direito de cada povo constituir-se em Estado Soberano? Ou devem os povos deixar de herança para suas descendências algo que, além de indigno e sem futuro, afronta os mais básicos princípios morais?

A “soberania” brasileira, desligando-se de Portugal, deu-se em um território povoado, já definido por outros em diversos tratados. Foi, assim, uma medida política, jurídica e familiar totalmente divorciada de qualquer alicerce social. A história mostra com clareza que a situação gerada por essa medida não se consolidou no tempo de maneira a justificar o nascimento de uma só nação. Empregando diferentes palavras, é o que afirma o jurista Raymundo Faoro, ex-presidente da OAB (Revista Isto É-Senhor, nº 1164, p. 8): “O Brasil é, assim, um Estado mais geográfico do que histórico. A dimensão é a da geografia e não da História”. Mais contundente é afirmação de outro jurista, J. Nascimento Franco (em “Fundamentos do Separatismo”, p. 11): “Alinho-me entre os que entendem que o Brasil é um equívoco de Portugal”.

A nacionalidade não é direito recebido como “presente”, por outorga de outrem, não importa a origem. Pelo contrário, nacionalidade é conquista geralmente obtida através de muitas lutas, estando profundamente assentada na alma, integrando o indivíduo tanto quanto a própria personalidade. Isso significa que ninguém tem o direito de ditar personalidade ou nacionalidade a alguém, ou a qualquer povo. Nem mesmo as leis. Nacionalidade significa um elo forte entre pessoas que têm traços culturais comuns, usos, costumes, tradições, valores, habitat, sofrimentos e alegrias semelhantes. Nem mesmo a heterogeneidade biológica racial se apresenta como fator impeditivo nos pressupostos essenciais de formação da nacionalidade. Nesse sentido a “raça” sulista, por exemplo, dentre outras, deve ser entendida dentro da concepção psicossociológica e de afinidade de ordem moral. Vários “sangues” compõem essa raça, essa nacionalidade. É isso que é nacionalidade. Ela nasce pela convivência sadia e integração através dos séculos. E não pelas leis, constituições, tribunais e tratados políticos. Se assim não fosse, estar-se-ia roubando o direito à própria personalidade, ao eu individual e coletivo, à autêntica nacionalidade.

As mais profundas raízes autodeterministas não assentam numa postura irracional e imotivada. Elas se ligam racionalmente aos mais legítimos interesses coletivos, sobrepondo-se à própria unidade do Estado. Acima de tudo está o convencimento de que o Estado deve servir o homem e jamais servir-se dele. Nem solapar o povo. A “construção” do Estado, além dos requisitos naturais que posteriormente serão abordados, deve conter a conveniência coletiva. Tornar o Estado um instrumento, um meio tendo a sociedade como seu único fim, é pressuposto do qual os independentistas não abrem mão.

Assim, o Estado, como instrumento e meio da sociedade, deve ser construído como uma ferramenta eficaz. E a vida cotidiana prova que uma ferramenta inteligentemente projetada e construída é sempre bem melhor.

Todavia é preciso ser grande e esforçar-se para escapar da dominação do “Sistema”, que protege algo que não deu certo e está a serviço de poucos. Os fracos de espírito jamais conseguirão e viverão eternamente ajoelhados.

Mas, afinal, existe alguma razão sólida que impeça rediscutir a realidade como um todo, inclusive fronteiras políticas e jurídicas entre nacionalidades diferentes?

O que chama muita atenção é a surpreendente ausência de contra-argumentos válidos para rebater à altura os robustos argumentos independentistas. Como não se ouviu nenhum até hoje, é de se suspeitar que nem mesmo surgirão. O que se tem visto, ouvido e lido, não passam de razões “sentimentais”, com muita lágrima imotivada, algumas de “crocodilo”, somadas a mitos, tabus, superstições, preconceitos e, sobretudo, patriotismos burros e vazios, inculcados na mente pública pelos dominadores culturais e sua mídia, e que se manifestam quase que exclusivamente em competições desportivas.

Somados a esses entraves, muitos descartam qualquer discussão sobre o tema por motivos bem apanhados na psicanálise social de Erich Fromm. É a “segurança” que o indivíduo sente ao sentar-se no colo de um país com grande superfície territorial, mesmo às vezes não “tendo” nada e “sendo” menos ainda. Em suma: é o medo da liberdade.

Mas, aos poucos, as resistências estão sendo vencidas. Os povos acabarão se libertando dos mitos e tabús a que estão sujeitos e ajudam a aprisioná-los mais ainda. Abandonarão para sempre a mentira da unidade. Isso já está acontecendo. Será melhor para todos.

A resistência ao movimento autodeterminista, portanto, não está propriamente nos povos que ainda não aderiram à heróica causa. A resistência fanática reside na estupidez dos falsos “patriotas” que não querem este tipo de reforma, por interesses próprios ou daqueles a quem servem. O poder dessa resistência é tão forte que ela se arvora em dona da opinião pública, com alguma razão, é claro, já que apenas as suas vozes e versões possuem espaço na mídia escrita e falada, grandes caixas de ressonância da sociedade. Assim, têm razão aqueles que afirmam que comunicação e poder andam no mesmo trilho. Na questão separatista, por exemplo, salvo a imprensa independente do interior, a grande mídia tem por hábito a tentativa de desmoralização desta alternativa.

Os partidários da independência sulista, por exemplo, só buscam mudança mais forte de um modelo que consabidamente “não deu certo”. Mas quase nenhum espaço conseguem para divulgar essa idéia na sua grandeza. E freqüentemente, quando acontece a exceção, os dominadores da comunicação sempre dão um “jeitinho” de colocar tudo às avessas, procurando desmoralizar algo muito sério e colocar a opinião pública contra o Movimento. Realmente, a ditadura da opinião é a arma covarde usada contra o independentismo. E independentismo verdadeiro é exatamente o oposto que “eles” tentam inserir na mente das pessoas, seja distorcendo pensamentos, seja buscando-os exatamente em fontes que não refletem o verdadeiro espírito da causa. O independentismo autêntico tem berço no amor por todos os povos, reconhecendo o inalienável direito à autodeterminação. Nessa linha de raciocínio, nenhum povo é melhor ou pior que outro. Se o Sul e as outras Regiões querem separar-se, e libertarem-se do jugo central, não significa nenhuma animosidade. Significa, isso sim, amor e ao mesmo tempo credibilidade que cada um terá competência de “fazer-se” melhor sem interferência do outro. Com a independência, as relações vigorantes que hoje são neutras, e às vezes até hostis, certamente tornar-se-ão mais saudáveis e benéficas para todos.

Essa mobilização não é impensada. Tem fundações na ciência moderna, a partir da concepção do direito das gentes, dos direitos subjetivos públicos, do direito natural e da teoria do livre arbítrio dos povos, inspiradora da própria Revolução Francesa, dentre outras teorias.

Ao contrário do que possa parecer em uma análise superficial, a independência seria mais benéfica para as Regiões mais pobres do que para as mais ricas. Desenvolve-se uma consciência, já cultivada no passado, no sentido de que a prosperidade somente será alcançada desde o momento em que pensarem, decidirem e executarem, por si mesmas, seus destinos. Todas têm potencialidades quase ilimitadas, tanto naturais quanto humanas.

Algumas manifestações rancorosas de pessoas menos avisadas do Norte e Nordeste contra o sentimento independentista do Sul, que a grande imprensa faz questão de “aperfeiçoar”, em busca da “sua” verdade, não passam de reações naturais, produto de uma armadilha bem montada por gente muito mal-intencionada com a verdade. Mas o futuro próximo provará que as relações entre os diversos povos que ainda compõe o Brasil, desde o momento das suas independências, serão bem melhores.

Esse fenômeno ocorre muitas vezes nas sociedades de vida em comum entre homem e mulher, que “não deram certo”. Mediante a separação os problemas conflituais desaparecem e a paz e prosperidade voltam a reinar na vida de ambos. Investigar culpas não leva a nada. O problema está na vida em comum, que entre certos pares ou povos “não dá certo”.

Frequentemente, na união conjugal, as pessoas ligadas por este pacto, individualmente, têm enormes potencialidades, que não se desenvolvem devido aos entraves oriundos dessa “união”. Esse mesmo fenômeno marca presença na união entre diferentes povos.

Além de possuir uma concepção equivocada da realidade, algumas manifestações ofensivas, de pessoas oriundas de algumas Regiões, negando o direito à independência à outras Regiões, que não lhes dizem respeito, possuem outra explicação. Elas sentem-se, como forma de dizer, “donas” de uma nação que sequer existe (ou existiu). Talvez isso decorra da mais estapafúrdia visão do mundo TER de existência, essencialmente possessiva, em detrimento do mundo SER de existência. Mas, mesmo que fosse válida a concepção de ordem dominial do indivíduo sobre o Estado, como se fosse “sua” propriedade, essa seria uma espécie de propriedade “em condomínio”, uma fração de direito sobre a propriedade (do Estado) “pro indiviso”, ou seja, todos são proprietários em comum do todo. Mas o próprio direito privado admite em certas circunstâncias a “divisão” da propriedade em comum. Se por um lado o território do Estado vai “diminuir”, mediante a independência de frações, por outro ele ficaria com um menor número de “proprietários”, excluídos os das áreas emancipadas. Em termos “patrimoniais” fica tudo igual. Ninguém perdeu nada da “sua” propriedade.

Mas muitos resistem a proposta independentista pelo fato da razão ceder lugar ao sentimentalismo. Freqüentemente a alternativa é atacada pelo fato de possuir o Brasil tantas e tantas belezas naturais que chegam a encantar os turistas. Por quê, então, desmanchar algo que tem tantas maravilhas?

É, novamente, visão caolha. Em primeiro lugar, as belas coisas da natureza, que situam-se no Brasil ou em qualquer lugar, não são “propriedade”, de ninguém, de nenhum país. Antes, constituem patrimônios da humanidade, evidentemente numa concepção filosófica. Mas ainda assim, se eventualmente alguém tivesse mais direito sobre a paisagem, não seria o país onde está, apesar da chamada soberania, e sim, num primeiro plano, o Município respectivo, depois o Estado-Membro, a Região, o País, o Continente, o Planeta, o Sistema Solar e o Universo. Mas não há uma hierarquia no domínio das coisas da natureza. Tudo não passa de concepções diferentes, sejam político-jurídicas, geográficas ou mesmo cósmicas.

Nada irá desaparecer como por “encanto” com o desmembramento político e jurídico. As belezas naturais continuarão as mesmas, sem sair do lugar, onde quer que estejam. Continuarão à disposição de todos, como eram antes. Mas tudo isso com uma enorme vantagem: as belezas humanas, muitas vezes soterradas na lama da federação, poderão emergir e com sabedoria e soberania certamente construirão um futuro melhor.

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