segunda-feira, 7 de março de 2011

Manifesto Libertário


Aprovado na 1ª Assembléia Geral do Grupo de Estudos Sul Livre no município de Brusque, Continente de Santa Catarina, em 27 de agosto de 2000.

Após dez anos do seu renascimento, profícuo é fazer uma avaliação retrospectiva do impacto gerado com a proposta secessionista no Brasil, especialmente do Sul, analisando seus erros e seus acertos.

Apesar de “escondida” pela mídia - que inclusive tudo fez para matá-la e desmoralizá-la - a verdade é que a questão separatista não está morta. Pelo contrário, está mais viva do que nunca. Solidificou-se em dimensão inabalável. Esses dez anos foram suficientes para provar que a razão e a verdade acompanham os defensores da autodeterminação da região Sul, a Soberania do seu povo, libertando-o definitivamente dos grilhões da deformada federação que o aprisiona e frustra seu desenvolvimento potencial. Essa “prisão” frustra não só o homem em si mesmo. É mais grave: frustra o conjunto de todos os homens e mulheres, a sociedade. A maior vítima é a sociedade sulista, como nação e povo, como ser social e como ser nacional.

A premissa central da militância dessa histórica epopéia é que “o Brasil não deu certo”. Avançando um pouco: não deu, não dá, nem nunca dará certo. Todavia não se limitam a esses dois lustros a demonstração desta verdade. Os próprios “festejados quinhentos anos do descobrimento” são suficientes e claros como a luz solar para concluir nessa direção. Nem mesmo os ingentes esforços da mídia serviçal ao “Sistema” conseguiram convencer e desmanchar a verdade. A tentativa de doutrinação das “mil maravilhas” foram levadas água abaixo. Ninguém acreditou nas mentiras.

Despiciendo é recordar e reproduzir números e estatísticas amplamente divulgadas “lá fora” - malgrado o silêncio ou pouco destaque dado pela mídia interna - que o Brasil ocupa as últimas e mais vexatórias posições, na classificação mundial, em questões como desigualdade social, concentração de renda, corrupção e criminalidade. Esse quadro nefasto é apontado por organizações internacionais idôneas. Sem dúvida é uma posição incômoda que envergonha qualquer pessoa ou povo frente a si mesmo e principalmente ante a comunidade internacional. Nem mesmo o “endeusamento” dos ídolos esportivos da mídia foi capaz de esconder essa vergonha.

Mas nunca se cogite, por esse registro, que a intenção seria livrar o Sul desta maldita pecha. Ele é afetado do mesmo modo. A doença é generalizada. O sangue que corre nas veias da federação está irreversivelmente contaminado. Só há um remédio: o desmanche da federação mediante a autodeterminação dos seus povos.

Simplificadamente, isto significa que o Sul e todas as outras regiões são vítimas e ao mesmo tempo autores, no mínimo em cumplicidade com Brasília, da estupidez consagrada como preceito constitucional pétreo, pelo qual amarram-se entre si os diversos povos que integram a chamada República Federativa do Brasil, impedindo, pela pretensa indissolubilidade da união, que cada um desses povos pense e decida sobre o próprio destino. Nesse sentido a federação nega aos seus povos prisioneiros o direito de pensar o futuro com a própria cabeça e percorrê-lo com suas próprias pernas.

Brasília tem o monopólio do direito de quase tudo. Pessoas, Estados e Regiões não têm o direito de usarem os próprios olhos, ouvidos, narizes e bocas, muito menos as próprias inteligências. A capital federal se encarrega de olhar, ouvir, cheirar, falar e pensar, “em nome do povo”. Resta à sociedade civil, governantes e parlamentares estaduais e municipais, o “direito” de ficarem quietos, obedecer e fornecer a mão-de-obra braçal. Por essa via se explica razoavelmente o fato de residir na capital federal a maior renda per capita do país, mesmo produzindo quase nada. É a grande parasita, predadora da sociedade civil.

A fim de evitar-se mal-entendidos e ao mesmo tempo desmanchar a versão maliciosa dada por certa imprensa, é bom deixar claro desde logo que o mesmo direito à independência invocado pelo Sul também assiste aos povos das outras regiões, dos outros "brasis". Porém é direito exclusivo de cada povo avaliar seus motivos e então decidir o rumo a ser tomado. O Sul já pensou e está decidido: o caminho é a autodeterminação. Em uma avaliação isenta, sem intuito de qualquer interferência, observa-se que a chama independentista também ressurgiu forte no valoroso povo do Nordeste, que apresenta todos os requisitos de nacionalidade e povo próprio. Desde o momento em que essa consciência aflorasse no povo, livrando-o dos mitos, tabús, superstições e preconceitos nele inculcados através dos séculos, o povo nordestino certamente não mais titubearia em também proclamar sua autodeterminação, rumo a patamares superiores de desenvolvimento. Essa proposta, aliás, não constitui nenhuma novidade no Nordeste. Diversos prefeitos, vereadores e deputados da região defenderam a independência nordestina. Em 1983 a cantora Elba Ramalho “sacudiu” a alma da região, fazendo muito sucesso com a música “Nordeste Independente”. A excursão repetiu-se em 1992, com igual sucesso.

Não ficando nada a dever ao Sul, o Nordeste contribuiu com essa polêmica, emprestando o nome de um de seus mais ilustres intelectuais, o paraibano Alyrio Wanderley, que em 1935 já enxergava a inevitável e irreversível falência brasileira, escrevendo o livro “As bases do separatismo”, provavelmente um dos mais completos sobre esse palpitante tema, ao lado de um mais recente, também completo, de autoria do paulista J. Nascimento Franco, “Fundamentos do Separatismo” ( Ed. Pannartz, 1994).

O ilustre intelectual nordestino traz à tona um argumento mortal que, somado a outros, reforça a convicção sobre a fatalidade do desmembramento do Brasil, conforme as vocações e acordos regionais. É o que chama de lei da Cissiparidade (Anexo).

O Nordeste tem história. Tem passado. Praticou secessão bem antes da própria Revolução Farroupilha (de 1835). A República de Pernambuco (Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte), de 1817, é prova.

Em 1824 estourou outra sedição, comandada pelo governador pernambucano, recebendo adesão das províncias do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas, donde surgiu a Confederação do Equador. Mas o Império reagiu e venceu. Muitos foram executados, dentre eles Frei Caneca. A Confederação do Equador tinha caráter nitidamente secessionista.

Por seu turno, a Inconfidência Mineira, eclodida em Vila Rica (1789), nunca visou o “todo”. Restringiu-se ao seu rincão. Buscou implantar a República de Minas Gerais, integrada por algumas capitanias vizinhas. Teve caráter nitidamente secessionista. Tiradentes pagou com a vida por enxergar o iminente fracasso a que o Brasil estava destinado.

Colocadas essas premissas, ou seja, a igualdade de direitos de todas as regiões e seus povos, a conclusão é que assim como o Sul já tomou a sua decisão, igual reflexão cabe aos demais povos formadores do Brasil, sem pressões nem interferências de quaisquer espécies. Os povos não estão atrelados a donos nem a senhores, cabendo unicamente às suas populações o direito de decidir. Nem mesmo Brasília possui qualquer poder de mando, apesar de suas leis carcerárias e de sediar a cúpula dos Três Poderes, cujos papéis, dentre outros, é garantir o “status quo” reinante.

Se bem examinado, os arquitetos da federação foram geniais na sua obra. A concentração de poderes em Brasília é de tal magnitude que nega a própria federação que está no “papel”. Muito pouco resta aos Estados e Municípios. Forjaram está federação com tamanha esperteza e malícia que difícil é concluir que esta montagem na verdade não passa de um engodo, uma mistura, bem urdida, de totalitarismo, tirania e absolutismo. E tudo isso sob a máscara da República, da Federação, da liberdade e do próprio Estado-de-direito.

Mas os Três Poderes protegem-se reciprocamente. Na realidade corromperam o modelo imaginado por Aristóteles e mais tarde desenvolvido por Montesquieu, ou seja, a harmonia e independência dos poderes, o sistema de “freios e contrapesos”, assim chamado pelos constitucionalistas norte-americanos. Desse modo, os poderes executivo, legislativo e judiciário resumem-se a um “conchavo” de proteção triangular. Nas suas esferas competenciais, mandam em todos os povos que ainda formam a federação. Isso porque os poderes executivo e legislativo centrais fazem e executam as leis mais importantes; e os tribunais superiores é que têm a última palavra nas demandas judiciais. Que espécie de autonomia estadual é essa? Na verdade não merece ser chamada de autonomia - principal característica do regime federativo - o direito dos Estados fixarem regras meramente secundárias ou reformáveis.

Assim, os impotentes governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores não conseguem fazer muito, mesmo que eventualmente estejam dispostos a melhorar a coisa pública. Motivo: os grandes poderes da federação residem na capital federal. Basta conferir a Constituição.

Isso tudo significa que mediante suas minguadas competências residuais os Estados e Municípios não conseguem interferir nos assuntos mais importantes das sociedades locais. Mas não é nada raro que esses agentes “vassalos” da política da federação prometam toda espécie de mudanças nas suas campanhas eleitorais, promessas que, evidentemente, jamais serão cumpridas. Resumindo: existe uma cumplicidade generalizada.

Todas as Regiões da atual República Federativa brasileira são prejudicadas pela infeliz união forçada que lhes impuseram, e, mais ainda, pelas correntes centrais que as unem num só ponto. Seria útil, sem dúvida, a ajuda recíproca e a troca de idéias para fortalecerem-se mutuamente no enfrentamento da opressão a que estão sujeitas.

Mostrar-se-ia, assim, ao Mundo, que todos os povos do atual Brasil desejam ser fraternos entre si, respeitam-se e acreditam não só nas próprias liberdades e potencialidades, mas também nas dos demais. Respeitam, em última análise, reciprocamente, o direito sagrado à autodeterminação de cada um, à independência e à soberania. Em suma: às suas capacidades de construir um país melhor. Essa é a verdadeira fraternidade. Não há amor na escravidão nem na submissão. Só a liberdade produz amor. Quem não respeita a liberdade própria e a dos outros não ama e não merece ser amado. A união forçada nunca gera amor. Por isso a fraternidade não é a regra tampouco o amor a principal característica entre as Regiões hoje amarradas umas às outras e todas presas ao centro político e jurídico dos “brasis”. Mediante a libertação de todas essas amarras certamente o desamor se transformará em amor e a indiferença em fraternidade. Esta será a verdadeira união.

Na realidade a união forçada entre os diversos Estados ou Regiões brasileiras provoca hoje, como ontem, verdadeiras guerras de interesses (fiscais, econômicas, políticas, etc.). Em nome da união formal pratica-se a mais repulsante desunião informal. E a convivência “unida” de pessoas, sociedades ou povos, sem livre consentimento e mediante submissão, não produz amor nem fraternidade. É puro sadomasoquismo. É gostar de sofrer e causar sofrimento nos outros. Somente os cegos de espírito não enxergam que a união preconizada nas leis nunca funcionou.

Mas a experiência do mundo mostra que os povos independentes, soberanos, podem conviver entre si em paz, harmonia e prosperidade, numa verdadeira união. Países de primeiro mundo integram a União Européia. Respeitadas as respectivas soberanias, a união e harmonia nas suas relações sociais, políticas e econômicas, dentre outras, é imensamente maior que entre os Estados federados brasileiros. Assim eles praticam a verdadeira união, que funciona bem somente porque é consensual. E não é indissolúvel.

Pasmem, portanto, povos de todos os “brasis”. A conclusão quase estarrece. Porém tem fundamento em pura lógica. Em verdadeiro silogismo. Seu resultado consiste em afirmar que mais separatista é aquele que não admite em hipótese alguma o desmembramento de um país plurinacional, fictício e que não deu certo. Mais separatista é quem inadmite a autodeterminação dos seus povos. Essa convivência forçada entre os povos e regiões, ao arrepio das próprias histórias, com prejuízo para todos, é que consiste na verdadeira separação. Portanto o Brasil é ligado por laços de amor “necrófilo”.

Pelo contrário, os defensores da autodeterminação dos seus povos e regiões, nessa linha de raciocínio, são na verdade mais unionistas, que separatistas. Querem ver a verdadeira união, consensual, apesar de praticada numa configuração jurídica e política diferente. Com liberdade. Por tais motivos, mais consentâneo com a realidade será chamar de independentista ou autodeterminista aquele que usualmente é tido como separatista, cujo intento é lutar pela soberania do próprio povo.

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